E.S.E, Cap. XVII
FRANÇOIS-NICOLAS-MADELEINE
Cardeal Morlot, Paris, 1863
            9 –
A autoridade, da mesma maneira que a fortuna, é uma delegação, de que se pedirá
contas a quem dela foi investido. Não creias que ela seja dada satisfazer ao
fútil prazer do mando, nem tampouco, segundo pensa falsamente a maioria dos
poderosos da terra, como um direito ou uma propriedade. Deus, aliás, tem
demonstrado suficientemente que ela não é nem uma, nem outra coisa, desde que a
retira quando bem lhe apraz. Se fosse um privilégio inerente à pessoa que a
exerce, seria inalienável. Ninguém pode dizer, entretanto, que uma coisa lhe
pertence, quando pode ser tirada sem o seu consentimento. Deus concede
autoridade a título de missão ou de prova, conforme lhe convém, e da mesma
forma a retira.
            O
depositário da autoridade,de qualquer extensão que esta seja, desde a do senhor
sobre o escravo até a do soberano sobre o povo, não deve esquivar-se à
responsabilidade de um encarregado de almas, pois responderá pela boa ou má
orientação que der aos seus subordinados, e as faltas que estes puderem
cometer, os vícios a que forem arrastados em conseqüência dessa orientação ou
dos maus
exemplos 
recebidos, recairão sobre ele. Da
mesma maneira, colherá os frutos de sua solicitude, por conduzi-los ao bem.
Todo homem tem, sobre a Terra, uma pequena ou uma grande missão. Qualquer que
ela seja, sempre lhe é dada para o bem. Desviá-la, pois, do seu sentido, é
fracassar no seu cumprimento.
            Se
Deus pergunta ao rico: Que fizeste da fortuna que devia ser em tuas mãos uma
fonte espalhando a fecundidade em seu redor? Também perguntará ao que possui
alguma autoridade: Que uso fizeste dessa autoridade? Que males impediste? Que
progressos impulsionaste? Se te dei subordinados, não foi para torná-los
escravos da tua vontade, nem dóceis instrumentos dos teus caprichos e da tua
cupidez; se te fiz forte e te confiei os fracos, foi para que os amparasses e
os ajudasses a subir até mim.
            O
superior que guardou as palavras do Cristo, não despreza a nenhum dos seus
subordinados, porque sabe que as distinções sociais não subsistem diante de
Deus. O Espiritismo lhe ensina que, se eles hoje o obedecem, na verdade já
podem tê-lo dirigido, ou poderão dirigi-lo mais tarde, e que então será tratado
como por sua vez os tratou.
            Se
o superior tem deveres a cumprir, o inferior também os tem de sua parte, e não
são menos sagrados. Se também este é espírita, sua consciência lhe dirá, ainda
mais fortemente, que não está dispensado de cumpri-los, mesmo que o seu chefe
não cumpra os dele, porque sabe que não deve pagar o mal com o mal, e que as
faltas de uns não autorizam as de outros. Se sofre na sua posição, dirá que sem
dúvida o mereceu, porque ele mesmo talvez tenha abusado outrora de sua autoridade,
devendo agora sentir os inconvenientes do que fez os outros sofrerem. Se for
obrigado a suportar essas posições, na falta de outra melhor, o Espiritismo lhe
ensina a resignar-se a isso, como a uma prova a sua humildade, necessária ao
seu adiantamento. Sua crença o guia na sua conduta: ele age como desejaria que
os seus subordinados agissem com ele, caso fosse o chefe. Por isso mesmo é mais
escrupuloso no cumprimento das obrigações, pois compreende que toda negligência
no trabalho que lhe foi confiado será um prejuízo para aquele que o remunera, e
a quem deve o seu tempo e os seus cuidados. Numa palavra, ele é guiado pelo
sentimento do dever que a sua fé lhe infunde, e a certeza de que todo desvio do
caminho reto será uma dívida, que terá de pagar mais cedo ou mais tarde.